Entrevistas

Perfil: Charles do Bronxs

Por Manuela Macagnan

Charles do BronxQuem conversa com Charles de Oliveira não imagina que o menino de 22 anos, calmo, tranquilo e brincalhão é o mesmo que, dentro de um octógono, é capaz de destruir o adversário e finalizar uma luta em 41 segundos.

O garoto nasceu e cresceu em Vicente de Carvalho, um distrito do Guarujá, litoral paulista. Ele, os pais e os dois irmãos – um biológico e um adotivo – nunca tiveram vida fácil. “Éramos muito pobres, mas nunca passei fome”, conta. Os pais trabalhavam em feiras e em uma banca vendendo ovo e sempre incentivaram os filhos a praticar esporte.

Quando Charles tinha 12 anos, a mãe montou um carrinho para vender lanche na rua de casa e, graças a isso, conheceu um dos sócios da academia da rua. “Ele queria que meu irmão e eu fôssemos treinar lá, mas minha mãe disse que não tinha como pagar. Aí ele ofereceu uma bolsa e comecei a treinar jiu jitsu. E foi nessa academia que conheci o Eric, que hoje é meu treinador”, explica Charles, falando tão rápido que até emenda uma palavra na outra. A academia bancava tudo, desde o quimono até as inscrições para os campeonatos de luta.

Com 14 anos, Charles já sabia o que queria da vida. “Me perguntaram o que eu queria ser e respondi: capa de revista, quero ser reconhecido na rua como lutador. Aí minha família começou a juntar latinha e garrafa PET para eu poder lutar”, explica.

“Quando a minha mãe deixou de pagar conta para eu lutar, pensei: ‘agora preciso ganhar’”

O garoto conta que a mãe sempre foi uma pessoa muito correta e jamais deixava atrasar conta alguma. “Quando ela deixou de pagar a conta de água e luz para me inscrever em um campeonato de luta, pensei: agora eu preciso ganhar”.

Desde então a vida de Charles passou a ser a luta. “Treinava todos os dias, o dia inteiro. Quando não estava na escola, estava treinando, queria ser alguém. Chegava em casa bem tarde, meu treino terminava à meia-noite”. E aí, como não conseguia conciliar os treinos puxados com o colégio, decidiu largar os estudos. “Decidi parar de estudar no segundo ano. Foi bem difícil, minha mãe não aceitava, ficou preocupada. Mas eu estava treinando muito e não aguentava as aulas. Sei que largar a escola não é o certo, mas eu faria tudo de novo, igualzinho”.

Em 2008, no GP do Predador FC 9, foi o campeão ao vencer três lutas na mesma noite na categoria de meio-médio. Hoje, Charles luta no UFC. Estreou na categoria peso-leve, vencendo Darren Elkins por finalização em 41 segundos. Na luta seguinte, venceu o campeão do reality show The Ulrimate Fighter 8, Efrain Escudero. No UFC 124, Charles lutou contra Jim Miller, onde foi derrotado pela primeira vez. Agora, Charles enfrenta um novo desafio: a estreia na categoria peso-pena, em 28 de janeiro.

Charles. Do Broxns.

O apelido “Do Bronxs” surgiu porque Vicente de Carvalho, onde o menino nasceu, cresceu e vive até hoje, é um lugar pobre. Era comparado ao Brooklin e, em um campeonato de jiu jitsu, Charles foi recebido como “o cara do Bronxs”. “Na minha inscrição, perguntaram ‘ah, vai colocar Charles de Oliveira?’ Eu disse: ‘é meu nome, vou colocar Charles do que?’ Aí sugeriram Charles do Bronx e pegou”. Já o nome Charles veio de uma grande paixão do pai pelo Corinthians. “Meu pai é corintiano roxo e colocou o nome do meu irmão de Emerson por causa de um jogador e Charles por causa de outro jogador. Minha mãe sempre quis uma menina, aí meu pai disse: ‘Se nascer homem, eu escolho, se for mulher é tu’. Ela concordou e acabou se ferrando”, diverte-se.

Deus, machucados e preconceito

“As pessoas têm preconceito com lutador. Já ouvi gente dizendo ‘nossa, como você é calmo’, como se, para ser lutador, precisasse sair por aí distribuindo porrada. Quero mostrar para o mundo que lutador pode ser uma pessoa do bem”,explica Charles. O lutador não só não briga à toa, como parece ser abençoado, já que nunca se machucou sério. Nem uma gotinha de sangue? “Nada. Nunca cortei supercílio, boca, nariz, nada. Faz um ano que estou batendo nos caras, mas nunca me zoou. Já fiz lutas duras, de tomar pancadão e falar ‘mano, cortou agora’, mas, graças a Deus, nunca me machuquei”.

Esse Deus que Charles tanto fala não pertence à religião alguma. “Acredito em Deus do meu jeito. Rezo todas as noites, peço a ele ‘vai na frente e me mostra o caminho, me protege do mal’, mas o nosso destino já está traçado, Deus já sabe o caminho de cada um”.

RAPIDINHAS

O que você mais gosta de fazer na vida? Lutar.

Seria mais fácil ser jogador do que lutador no país do futebol? Não acho que seria mais fácil porque o Brasil não é fácil pra ninguém, tudo o que for fazer tem que ser guerreiro, senão não faz.

Onde você quer chegar? Além do cinturão, porque todo mundo quer chegar ao cinturão. Quero ficar um bom tempo com ele, ajudar as pessoas que me ajudaram, dar uma força a quem eu posso ajudar, ter a minha casa, dar conforto aos meus pais.

Comida favorita: Frango à parmegiana.

E se não fosse lutador, seria o quê? Fazendeiro.

Tem tatuagem? Não, mas sou louco para fazer. Não fiz por respeito à minha mãe, que não gosta. Mas que tenho vontade, tenho.

Tem alguma superstição antes de entrar no octógono? Entro com o pé esquerdo ou direito, não importa. Só falo com Deus. Peço: “Me mostra o caminho, não quero machucar o meu adversário, só quero fazer o meu trabalho.”